O FATO

 

Há décadas, grandes investimentos em processos de reciclagem pela indústria de papel, combinados com o apoio de consumidores, comunidades e empresas, vêm fazendo da reciclagem de embalagens celulósicas um grande sucesso.

Mesmo assim, a grande história de sucesso das embalagens recicladas tem sido questionada por alguns consumidores finais e por empresas que precisam embalar seus produtos. sobre a quantidade de matéria-prima reciclada que as embalagens deveriam conter. Infelizmente, consumidores, fabricantes e varejistas não têm sido esclarecidos adequadamente sobre a questão, em função de um debate que não considera as suas nuances. Não há dúvida de que o uso de matéria-prima oriunda da reciclagem contribui para a sustentabilidade das embalagens e para o fortalecimento da economia circular. Mas todo produto deveria conter 100% de reciclados para ser suficientemente sustentável, como alguns insistem? A resposta é não.

Para começar, a fibra reciclada tem uma origem que é a fibra virgem usada em primeiro lugar para a fabricação do papel que foi reciclado. É importante lembrarmos que, no Brasil e em toda a América Latina, a fibra virgem de celulose é obtida exclusivamente de árvores cultivada para essa finalidade. Trata-se, portanto, de uma matéria-prima de origem totalmente renovável.

Mesmo em países onde se usam árvores nativas como fonte de celulose, o argumento de que utilizar 100% de fibras recicladas “salva árvores” não se sustenta. Na verdade, a demanda por fibra de madeira de florestas manejadas de forma sustentável está baseada em práticas responsáveis que promovem o crescimento florestal a longo prazo. De fato, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) informa, em sua Avaliação Global de Recursos Florestais de 2020, que entre 1990 e 2020 a área florestal dos EUA expandiu cerca de 7,3 milhões de hectares, a do Canadá permaneceu praticamente estável em 347 milhões de hectares, enquanto na Europa as florestas aumentaram em 23 milhões de hectares no mesmo período.

Além disso, as fibras recicladas não podem ser reaproveitadas indefinidamente. No caso das embalagens à base de papel, as fibras podem ser recicladas de cinco a dez vezes. Mas com o tempo, o processo de coleta, destintagem e limpeza degrada enfraquece as fibras a ponto de não serem mais utilizáveis, e isso significa que elas devem ser substituídas por fibra virgem. Sem a introdução contínua de fibra virgem no sistema, a fabricação de embalagens recicladas seria interrompida rapidamente.

No caso de produtos de papel que requerem maior qualidade, também há um ponto de inflexão no qual o aumento da quantidade e fibras recicladas passa a ser desvantajoso. Assim como na produção de papel de fibras virgens, os processos de reciclagem usam recursos como água, energia e produtos químicos e geram emissões atmosféricas e hídricas. Quanto mais a fibra reciclada precisar ser processada para uso em novos produtos, maior será a carga ambiental em relação à fabricação de papel virgem.

O que uma comparação correta dos ciclos de vida dos dois processos – papel de fibra virgem e de fibra reciclada – mostra é que ambos os processos têm suas vantagens e limitações ambientais. Por exemplo, a fabricação de celulose virgem exige, em média, mais energia do que o processo de reciclagem. No entanto, na produção de celulose virgem essa energia vem, principalmente, de combustíveis renováveis, como biomassa florestal e resíduos do próprio processo. No Brasil, 89% da matriz energética do setor de celulose é de fontes renováveis assim como 100% da energia elétrica. Além disso, o cultivo sistemático de árvores para a produção de celulose virgem promove o sequestro de CO₂ da atmosfera, ajudando a combater as mudanças climáticas. E aqui novamente encontramos a importante complementariedade entre o uso da matéria-prima virgem e reciclada – a reciclagem do papel permite que se mantenha o carbono estocado fora da atmosfera.

A questão é que, em vez de competir entre si, os dois tipos de fibra se complementam em um ciclo perpétuo de sustentabilidade exclusivo da indústria de papel, e é isso que precisamos dizer às empresas que usam produtos à base de celulose para embalar seus produtos e também para os consumidores que compram e recebem esses bens.

Também devemos divulgar que, independentemente das embalagens à base de papel serem feitas com conteúdo virgem ou reciclado, elas estão entre as mais recicladas no mundo. Nos EUA, por exemplo, os números mais recentes disponíveis da Agência de Proteção Ambiental mostram que embalagens à base de papel são recicladas a uma taxa de 80,9%, sendo que as caixas de papelão ondulado alcançam a marca de 96,5% de reciclagem. No Brasil, a taxa de reciclagem de embalagens celulósicas também é de 80%, enquanto a taxa da de papelão ondulado, especificamente, chega a 87%.

É importante notar que os produtos de papel não podem ser “upcycled” no processo de reciclagem. Isso significa, por exemplo, que as embalagens de papelão ondulado não podem ser recicladas em papéis de qualidade superior.

O conteúdo 100% reciclado é desejável e benéfico para o meio ambiente para muitas aplicações de embalagens, mas não para todas. Em vez de estabelecer uma meta arbitrária de 100% de conteúdo reciclado em todas as embalagens à base de papel, o objetivo final deve ser reciclar o máximo possível de papel de todos os tipos e fazer o melhor uso dessa fibra reciclada nos produtos em que isso faz mais sentido do ponto de vista ambiental.

 

Fonte: Two Sides